Especialistas respondem questões sobre impurezas de nitrosamina

A presença de nitrosaminas em substâncias medicamentosas e produtos farmacêuticos tornou-se um importante foco para a indústria farmacêutica após identificação acima dos limites permitidos em medicamentos prescritos para diabetes tipo 2, pressão alta e azia.Â

A seguir, saiba mais sobre as respostas dos especialistas quanto a esse assunto.Â

1)O que nós sabemos sobre nitrosaminas até agora?

Nitrosaminas são uma classe de compostos que podem reagir com o DNA, causando mutações que potencializam o risco de câncer, sendo tóxicas a níveis extremos. Desde a primeira descoberta na valsartana (usada para tratar pressão alta), a impureza tóxica continua a impactar a indústria farmacêutica. Saiba mais sobre a química das nitrosaminas.

Assim como a NDMA (N-nitrosodimetilamina), que faz parte da classe das N-nitrosaminas, a NDEA (N-nitrosodietilamina), NMBA (N-nitrosodibutilamina), NMPA (N-nitrosometifelamina), NIPEA (N-nitrosoisopropiletilamina) e NDIPA (N-nitrosodiisopropilamina) e outras nitrosaminas também são responsáveis por contaminações e podem se formar em medicamentos. Recentemente, tornou-se evidente que os derivados de N-nitrosaminas podem ser formados a partir de aminas presentes nos IFAs.

A crise das impurezas não afetou somente a valsartana, mas outras sartanas, metforminas, ranitidina etc. Indústrias ao redor do mundo tiveram que recolher milhares de produtos, sofrendo perdas significativas de receita e levando muitos pacientes a ficarem sem medicamentos. A mitigação das nitrosaminas é o objetivo chave das agências regulatórias globais e um objetivo essencial para os fabricantes de medicamentos.

2) Como a crise está afetando a indústria farmacêutica e o que tem sido  feito para mitigá-la?

A crise impactou quase todos os produtos farmacêuticos comerciais nos mais importantes mercados, incluindo Europa e Estados Unidos. O FDA, para ajudar no enfrentamento, em fevereiro de 2021, atualizou suas orientações, especificando os prazos permitidos para concluir as atividades de mitigação de nitrosaminas pelos solicitante/detentor do registro do medicamento. Propôs estratégias como: avaliação de risco (etapa 1), testes confirmatórios em caso de risco identificado (etapa 2) e reporte de mudanças que serão implementadas para prevenir ou reduzir a presença de nitrosaminas nos medicamentos aprovados, em pedidos de novos medicamentos e pedidos de novos medicamentos abreviados (etapa 3).

O FDA recomenda a conclusão dessas etapas até outubro de 2023. A EMA aconselhou os solicitantes/detentores do registro do medicamento a completar os testes confirmatórios e apresentar pedidos de alteração até setembro de 2022 para medicamentos químicos e até julho de 2023 para produtos biológicos.

É recomendado que os desenvolvedores explorem a causa raiz da formação de nitrosaminas para informar e implementar estratégias a longo prazo que resolverão o problema com sucesso.Â

A ANVISA se alinhou ao EMA e FDA para regularização dos medicamentos, para tal, há a RDC 677/2022 para regulamentarizar o cumprimento dos requisitos de forma escalonada e em etapas, conforme o risco atribuído a cada produto. Sendo a RDC 677/2022 e o guia 50/2021 aplicáveis a novos registros, às alterações de pós registros, com mudanças relacionadas ao IFA, à composição e à embalagem do medicamento, não se restringindo exclusivamente a essas.

3) Como as nitrosaminas são formadas nos produtos farmacêuticos? Existe algum processo de produção (ou etapa de formulação) em particular que pode causar problemas críticos relacionados à formação de nitrosaminas?

A formação de alquil nitrosaminas de cadeia curta (NDMA e NDEA) em substâncias medicamentosas  ocorre quando as aminas/amidas secundárias, terciárias ou quaternárias presentes reagem com agentes nitrosantes, como o ácido nitroso. Matérias primas, intermediários, IFAs, catalisadores e reagentes também podem conter funcionalidades de amina secundária ou terciária. Ademais, muitos solventes comuns de amidas de alto ponto de ebulição, como o N-dimetilformamida, N-metilpirrolidona, N-dimetilacetamida e N-dietilacetamida, contém amidas secundárias com potencial de formar impurezas voláteis.

Outro agente necessário para a formação de nitrosaminas é um agente nitrosante, em muitos casos o nitrito, que frequentemente está presente como uma impureza em excipientes e água, possibilitando, assim, a formação de nitrosaminas no processo de fabricação de um medicamento (sob condições ácidas) ou durante o armazenamento.Â

Alguns produtos farmacêuticos ainda podem sofrer vias de degradação durante o armazenamento, aumentando o risco de formação de nitrosamina. Problemas também podem surgir quando a baixa conformidade com as diretrizes de Boas Práticas de Fabricação, onde os materiais de partida e as matérias-primas estão contaminados ou reagentes, solventes e catalisadores recuperados contêm nitrosaminas. Â

4) O que os solicitante/detentor do registro do medicamento podem fazer para superar a formação de nitrosaminas e evitar que seus medicamentos sejam recolhidos?

Os fabricantes devem considerar as fontes de nitrosamina em todos os IFAs e medicamentos, não só os que já foram detectados com nitrosaminas. Se impurezas forem detectadas, uma estratégia de mitigação deve ser implementada imediatamente para remover o risco, caso contrário, não há necessidade de tomar outras medidas.Â

Os desenvolvedores podem procurar otimizar o processamento de medicamentos, visto que nitrosaminas formadas durante a etapa de processamento das substâncias medicamentosas precisam ser purgadas em etapas de purificação subsequentes ou adicionais. As que são formadas no medicamento não podem ser purgadas prontamente, por isso a necessidade de bloquear a formação de nitrosaminas em medicamentos por inteiro.

O FDA recomenda como estratégia de mitigação a adição de antioxidantes específicos nas formulações, como ácido ascórbico (vitamina C) ou alfa-tocoferol (vitamina E), como inibidores da formação de nitrosaminas. Ambos oferecem aos desenvolvedores oportunidades confiáveis para redesenhar seus produtos farmacêuticos ou inovar novos medicamentos sem o risco de formação de nitrosaminas.Â

Basificar a formulação impedirá a formação do agente nitrosante principal, o ácido nitroso, garantindo que o ambiente de micro-pH dentro da fórmula de dosagem será alcalino.Â

5) Quais fatores chaves os desenvolvedores precisam considerar ao reformular seus produtos, incluindo o metabolismo de medicamentos? Em que estágio o metabolismo do fármaco precisa ser levado em consideração em um processo de reformulação?Â

O risco de formação de nitrosaminas precisa ser abordado durante qualquer exercício de reformulação, pois as impurezas podem ser geradas em qualquer estágio, desde a fase de fabricação até o período de armazenamento.Â

Vale lembrar que as nitrosaminas são um subproduto comum do processamento de alimentos e são frequentemente encontradas no meio ambiente e na água potável.Â

6) Diante desse cenário, como podemos ver o futuro da inovação em três dimensões: a ciência do tratamento, a ciência da tecnologia e a ciência do paciente expectante?

Visto que as pessoas estão expostas às mesmas moléculas na água potável e nos alimentos, os reguladores precisam continuar tranquilizando os pacientes de que os medicamentos prescritos ainda são seguros no contexto da crise emergente. Assegurar que o nível da impureza esteja abaixo dos limites permitidos de ingestão diária é necessário para estar em conformidade com os procedimentos de avaliação de risco da EMA.Â

A ingestão diária aceitável é de 18 ng para nitrosaminas de acordo com a atual orientação regulatória da União Europeia e ANVISA e 26,5 ng/dia de acordo com a atual orientação regulatória dos Estados Unidos. Esses níveis são significativamente mais baixos do que a concentração anterior de 30 ppb, a medição de impurezas de nitrosamina agora representa um desafio analítico extremamente difícil.Â

Além disso, muitos pacientes criticam a falta de orientações sucintas e explícitas das agências reguladoras e profissionais de saúde sobre medicamentos específicos. Um estudo mostrou que após o recolhimento da valsartana, o número de internações hospitalares aumentou proporcionalmente. É evidente que mais informações sobre os riscos das nitrosaminas em produtos farmacêuticos (ou a falta deles) são necessárias para tranquilizar os pacientes, além de detalhes de como a indústria está lidando com a situação para eliminar o risco.Â

Referências: 

FDA, 2021, Control of Nitrosamine Impurities in Human Drugs − Guidance for Industry R1, FDA CDER CGMP. https://www.fda.gov/media/141720/download.

FDA. Updates on possible mitigation strategies to reduce the risk of nitrosamine drug substance-related impurities in drug products. 18 November 2021. https://www.fda.gov/drugs/drug-safety-and-availability/updates-possible-mitigation-strategies-reduce-risk-nitrosamine-drug-substance-related-impurities.

EMA, Nitrosamine impurities. https://www.ema.europa.eu/en/human-regulatory/post-authorisation/referral-procedures/nitrosamine-impurities.

Oruganti S.A viewpoint on the presence of N-nitrosodimethylamine (NDMA) impurity in certain generic samples of Valsartan, Drils Perspectives; Dr. Reddy’s Institute of Life Sciences, 2018.

EMA release. Assessment report. EMA/CHMP/217823/2019. https://www.ema.europa.eu/en/documents/variation-report/angiotensin-ii-receptor-antagonists-sartans-article-31-referral-chmp-assessment-report_en.pdf

FDA. Updates on possible mitigation strategies to reduce the risk of nitrosamine drug substance-related impurities in drug products. https://www.fda.gov/drugs/drug-safety-and-availability/updates-possible-mitigation-strategies-reduce-risk-nitrosamine-drug-substance-related-impurities.

Elder DP, Johnson GE, Snodin DJ. Tolerability of risk: A commentary on the nitrosamine contamination issue. J Pharm Sci. 2021; 110(6): 2311-2328.

European Medicines Regulatory Network. European Medicines Regulatory Network approach for the implementation of the CHMP Opinion pursuant to Article 5(3) of Regulation (EC) No 726/2004 for nitrosamine impurities in human medicines. https://www.ema.europa.eu/en/documents/referral/european-medicines-regulatory-network-approach-implementation-chmp-opinion-pursuant-article-53/2004-nitrosamine-impurities-human-medicines_en.pdf

Nanda et al. Inhibition of N-nitrosamine formation in drug products: a model study. J Pharm Sci., vol. 110, no. 12, pg. 3773-3775, 2021.

Elder et al. Tolerability of risk: a commentary on the nitrosamine contamination issue. J Pharm Sci., vol. 110, no. 6, pg. 2311-2328, 2021.

Especialista responde a perguntas sobre impurezas de nitrosamina